Extraordinário Encontro, oportuno e muito bem concebido e organizado pela sua Presidente Maria Emília Brederode Santos (presidente da mesa da Assembleia Geral da APCEP!). Desde os estudos fundamentados sobre o tema, à presença de pessoas envolvidas nos problemas referidos (ver programa) desocultaram-se muitos dos invisíveis, desfizeram-se mitos com que inconscientemente descriminamos.
Mas pela mão de Sérgio Godinho direi: soube-me a tanto, por isso… soube-me a pouco!
Falamos de uma escola, de uma instituição social por onde todos têm de passar, uma máquina organizada há séculos para uniformizar, para estratificar, para selecionar. Estável. Que permite por vezes pequenos oásis onde se batem professores, alunos, pais, comunidades mas que não faz bola de neve, antes pelo contrário, facilmente se recompõe continuando as funções ancestrais com que séculos a moldaram.
Por isso foi importante trazer à luz do dia o que esconde, o que não tem lugar no sistema.
Falamos de crianças e esquecemos alguns dos outros.
Refiro-me aos meninos oriundos de famílias e comunidades com baixas qualificações escolares que após uns primeiros dias de felicidade na escola, rapidamente se apercebem que vão ficando para trás, que não conseguem avançar naquele contexto. Parece que sofrem. A Fernanda Leopoldina Viana, da Universidade do Minho, disse que em consulta de psicologia, alguns começam a desenhar a figura humana sem pernas!
Aparecem depois em números nas taxas de insucesso e aparecem porque é um problema para as qualificações ou porque ficam muito caros ao sistema. Alguns aparecem ainda quando reagem portando-se mal nas aulas ou fazendo coisas mais graves. Aí o sistema tem de os ver porque perturbam a organização escolar. Outros, permanecem invisíveis, vão sofrendo negativa atrás de negativa, reprovação atrás de reprovação, acusados de serem vítimas do seu próprio destino. Depressão, destruição da autoimagem… sofrendo a indiferença do sistema.
Acusam-se então os pais de não lhes darem o devido apoio esquecendo-nos de que só depois de 1975 se criaram condições para todos irem à escola. Não terá ainda tempo de inserir em todas as famílias uma cultura de escolarização!
Por isso é importante falar de outros invisíveis, de outros descriminados: os adultos, muitas vezes pais, familiares dessas crianças.
Apesar de aparecerem nos discursos do nosso Primeiro-ministro (saudemo-lo!) muitos andam também ocultos. Alguns nem nos números aparecem!
Falamos, por exemplo, dos nossos adultos com baixas qualificações escolares. Nas estatísticas aparecem 500.000 analfabetos referindo-se praticamente aos que abandonaram a escola sem completar o 4º ano de escolaridade.
Preocupação escolar. Hoje, terá mais importância referir os que evidenciam baixos níveis de literacia, isto é, os que não conseguem extrair o sentido de um texto escrito necessário ao seu quotidiano.
Muitos, são mesmo analfabetos, apesar de terem aprendido muito no desenvolvimento de tantas competências ao longo das suas vidas.
Olhando apenas para a realidade social com os olhos escolares, vemos, vagamente, os séniores, esquecendo os outros invisíveis de que ontem falámos: os meninos que saem da escola sem sucesso mas que aprenderiam em contextos mais favoráveis, mais adequados, onde fossem vistos; os imigrantes vindos de países onde a escolaridade para todos ainda não se consumou ou não os atingiu, com necessidades e características diferentes; os ciganos, hoje com cada vez mais vontade de aprenderem algumas respostas escolares e de enviarem filhos e filhas à escola; os refugiados que precisam de conhecer a língua, o país e de afirmar as suas culturas; e tantos outros que ninguém vê e se encontram nas listas de desempregados ou na sua atividade profissional não avançando por vezes com dificuldades no âmbito da literacia. Todos os outros, privados do acesso à informação por razões ligadas aos saberes, afastados da plenitude dos direitos de cidadania.
As respostas são apenas para as qualificações esquecendo que qualificações são todas as referidas. As respostas, no quadro escolar, que esconde todos os que temos vindo a referir, parecem mais preocupadas no completar de horários de professores do que em procurar respostas adequadas às potencialidades e necessidades destes destinatários.
A organização escolar permanece opaca, tornando invisíveis muitos dos seus atores, muitos dos seus destinatários. Como se os professores não fossem pessoas, colocam indiferenciadamente professores a dar matérias para que terão disso sido preparados, completando as horas com educação de adultos para que nunca foram formados. O professor é mais uma vez considerado um número cujas personalidades, formação e idade permanecem invisíveis aos olhares financeiros e corporativos.
E, esquecendo que a democracia não passa só pelas pessoas mas também pelos grupos que elas organizam, não reconhecem as comunidades locais, mais próximas dos destinatários e que, muitas vezes voluntariamente vão respondendo às necessidades destes invisíveis.
Faça-se luz! Para todos. Pelo Direito à Educação, pelo Direito de Aprender.
Lucília Salgado
APCEP